"Uma reflexão sobre a navegação, sobre o céu e o mar,
sobre modos de viver os fluxos"
Estratégias para o Naufrágio:
rumo azul e outras manobras
19 de agosto a 2 de outubro
no Museu Nacional das 9h às 18h
< Ele [o artista] não justapõe exemplares da figura; a cada vez, ele combina um elemento de um exemplar com outro elemento de um exemplar seguinte. No processo dinâmico da construção, ele introduz um desequilíbrio, uma instabilidade, uma dissimetria, uma espécie de abertura, e tudo isso só será conjurado no efeito total.>
Gilles Deleuze.
A potência de navegar o ver.
Contemplar o mundo e buscar estar nele, a nossa maneira, é uma tarefa a que todos estamos sujeitos, cotidianamente. A vida como ela é existe de modo diferente para cada um, e a ela concedemos formatos que remapeiam impressões, coisas, relações e que se modificam, atravessadas pelos acontecimentos. Resta a curiosidade de saber o que cada um faz – e como age - diante da fatalidade de habitar um mundo múltiplo, excessivo e ativado, cada vez mais, pelo estado online em tecnicolor.
Ter a oportunidade de presenciar um extenso processo inventivo e de experimentações, como acontece nesta exposição de André Santangelo, é testemunhar o que ocorre em diversos momentos da prática de um artista que procura desvelar o universo fotográfico, aprofundando as suas relações com o campo desde 1990. Para esta mostra, artista e curadora selecionaram fotografias que pertencem, originalmente, a grupos de séries realizadas ao longo de alguns anos de prática, reorganizando-as para dar origem a outras ordens de sentidos, capazes de apontar para núcleos de singularidades dentro de conjuntos pré-constituídos.
Os revezes, a instabilidade, as falhas, para as quais o naufrágio - expresso no título - aponta, enfatiza a maneira do artista em pensar e elaborar as imagens. Nos modos de ver e fazer de Santangelo, existem elementos que estão onipresentes e que perpassam os trabalhos que aqui vemos, como o tempo, a simultaneidade, as repetições e as diferenças, que estão conjugadas a campos cromáticos, ilusões de ótica, dinâmicas de movimento e arranjos de conceitos que, junto com um olhar de extrema sensibilidade, relaciona coisas, animais, bichos e pessoas, plasmando-as em paisagens que parecem estar a todo tempo emergindo e submergindo, como se não quisessem se deixar totalmente à mostra, convocando atenção para o que foi ou o que está por vir.
Três grandes núcleos foram idealizados: A. Rumo Azul, indicando constantes cerúleas do céu e do mar bem presentes no conjunto geral da produção do artista; B. Os Ciano mergulhos, resultantes das experimentações recentes com cianotipia, uma técnica de impressão e C. Somos, que nos põe em contato com a visão do artista sobre o ser humano em sua experiência da viagem pela Índia em 2005/2006. Há ainda a linha do tempo, construída circularmente para caracterizar um fluxo de produção que admite câmbios nos pontos de observação e nas formas de pensamento contidos no ir e vir da temporalidade, e que estão presentes no processo de construção artística de Santangelo.
Naufragar a imagem pode ser uma forma de ver o mundo.
Renata Azambuja.
Curadora.